sexta-feira, 10 de abril de 2009

Obrigado por aquele verão.

Sentia no ar o cheiro de manga madura, enquanto andava para a beira do rio para tentar refrescar minha pele que ardia com o calor daquela terra, passava pelas vacas, bois e touros. As vacas com suas grandes tetas e seus sinos barulhentos, os touros tem chifres e bolas, os bois, são só os bois.

Tentava fazer sentido de tudo que estava a minha volta, o verde que sofria com a falta de chuva, o burro que pastava magro, no fundo o barulho da cachoeira e o cachorro que latia avisando que chegara alguém. Não estava preocupado com isso queria apenas molhar minha cabeça em baixo das arvores na beira do rio. Sentia que aquele dia seria mais um dia sem sentido, mais um dia de inércia, não queria pensar nos meus problemas e já vinha fazendo isso por alguns dias.

As crianças no sitio do lado gargalhavam e suas risadas ecoavam por todo lado, mas isso não me incomodava, sentia que o sitio era muito mais barulhento do que a cidade e isso me agradava, apesar de procurar paz, também não curtia silêncio total. Ele me fazia me sentir só e na solidão dos meus pensamentos e na presença de algumas lembranças ficava triste.

Tirei a tolha de dentro de um cesto de palha que carregava, dentro dele havia também uma garrafa d’água uma faca, uma manga e uma banana, caso a fome apertasse demais. Tirei toda minha roupa e coloquei encima da pedra. Fui andando em direção água. Passei pelo antigo balanço que estava lá, ainda, pendurado naquela arvore de galhos que alcançavam a outra margem do rio.

Comecei a lembrar de uma história que ouvia na infância, quando alguns, antes de mim, primos e seus amigos e algumas primas e suas amigas que passavam o verão no sítio. Era muito divertido, apostavam corrida pra ver quem chegava primeiro até o rio e quem perdesse teria que carregar de volta para a casa todas as cestas, mochilas e sacolas que levavam com guloseimas e roupas para a beira do rio.

Era tudo muito ingênuo, as meninas e os meninos tiravam as roupas e nadavam pelados, mas com a puberdade as coisas foram mudando as meninas iam de manhã e os meninos à tarde porque caso perdessem noção da hora eles não tinha medo de voltar no escuro. Era assim o combinado. Meu avô fazia questão de que cumprissem o combinado, mas era inevitável as vezes que esse combinado se embananasse todo, lógico que os meninos iam escondidos espiar as meninas, que já espertas tomavam banho no rio com suas roupas de baixo, e às vezes o contrário acontecia também, mas os meninos, amostrados, faziam questão de ficar nus mostrando que já estavam virando homens e os pelos já existiam.

Mas era tudo tão simples então, até que as paixões começaram a se desenvolver, junto com os corpos, primos não podiam namorar, era o que diziam, mas é claro que muitos namoravam durante o verão no sitio escondidos dos pais, nenhum deles comentava nada, na verdade cada um era muito cúmplice do outro e era assim que viviam, era assim que descobriam muitas coisas sobre eles e sobre os outros. E foi então num final de verão que dois deles se apaixonaram. Ele não era primo era amigo do primo e ela queria mesmo era aproveitar o resto das estações com ele. Foi no final daquele verão de 75 e antes do próximo verão eu nasci.
(De sol em sol a terra se consome,
De dias em dias o tempo lentamente vai se acabando.
E o que sobra pra gente além das lembranças. E das lembranças o que sobra? Só as boas?
)

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