sexta-feira, 29 de maio de 2009

23:55h

Só vou até aqui, por favor, não me peça para ir adiante. Onde tudo parece festa e alegria existe um buraco negro que do meio do peito te revira tudo que é de dentro para fora. É, é no final desta rua que vai à esquina com aquela que leva a lugar nenhum. Sim existe um prédio laranja, com poucos andares eu sei.

Sim foi lá que eu vivi, era no segundo andar, vendo daqui não dá pra enxergar direito, mas preste atenção. É o único andar com as luzes apagadas. Quando eu morei ali, a esta hora da noite era ao contrário. Lembro que os dias eram quentes, longos, muito longos e as noites eram curtas e frias. O vento soprava baixinho como um assobio, entrava por todas as frestas e furos do telhado e sempre encontravam meu corpo.

Durante o dia deitada em minha cama, não tinha forças para me mover, dela mesma, fechava minhas cortinas esperando que o sol ficasse do lado de fora para que eu pudesse dormir mais um pouco quando, ainda, o álcool da noite anterior circulava dentro do meu corpo ensaiava um ensaio de sono que me garantia mais meia, uma hora, tranquila no silêncio da minha mente. Mas a rua do lado de fora estava viva, e o calor gritava e eu tentava me esconder atrás das cortinas grossas de veludo verde.

Nunca senti fome ali, mas engordei quilos e quilos, acho que era por que me movia pouco. Como uma vampira esperava que a noite caísse se dobrando por cima do dia e eu deitada no chão da sala, esperava que o movimento no corredor do prédio desaparecesse, todas aquelas sombras distorcidas que dançavam por baixo da porta iam-se e a calma no meu peito surgia, era como se elas vigiassem cada movimento meu, guarda costas que não guardavam nada.

Ascendia as luzes, sim todas as luzes, ligava o rádio bem alto, tirava toda minha roupa. Pulava e dançava. Ia até o banheiro, ligava chuveiro e voltava ao meu quarto pra escolher uma roupa, sabia que sairia sozinha mais uma vez. Tinha um namorado, mas ele pouco me servia, nunca estava e quando estava, estava bêbado demais para lembrar-se do próprio nome, imagina o meu.

Depois do banho secava meus cabelos com o secador enquanto mandava mensagens para todos que pudessem se importar, mas como sempre nenhuma resposta. Vestia então minha roupa, calcinha, calça, camiseta, botas longas com saltos muito altos e finos, sinto, acessórios, perfume, maquiagem e por cima de tudo um casaco longo até os joelhos. Estava quase pronta, tentava ligar pra ele, mas sem resposta, devia estar com alguma vagabunda por ai. Existe tão pouco que podemos fazer, às vezes, além daquilo que achamos que não devemos fazer.

Chaves no bolso do casaco, garrafa de Vodka em baixo do braço. De casa andava até a linha do trem, às vezes brincava, tentava equilibrar meu salto em cima do trilho, enquanto girava minha bolsa na ponta de meu dedo indicador da mão esquerda, com a mão direita, virava a garrafa de Vodka na boca. Andava, andava e andava, quando via os carros cruzarem os trilhos me escondia atrás das moitas e quando um trem passava, sempre pedia carona, às vezes eles paravam. Para onde ia? Não sei, nunca soube, só sei que para aquele prédio eu não volto mais.
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(Se todos os caminhos levam a algum lugar, porque ainda estou aqui?)

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