sexta-feira, 6 de março de 2009

Ilusões. Uma vida. Três amores, uma escolha.

Tenho 37 anos e sómente agora muitas coisas fazem sentido pra mim, percebi que vivera uma vida muito boa, até então. Sempre tive tudo, até mesmo o que não quis. Estudei nas melhores escolas, viajei quase o mundo todo à custa do esforço e dinheiro de minha família.
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Família essa que descobri que não era minha de verdade, bom era de verdade, pois era a única que conheci, mas mesmo assim nossa relação não era de sangue. Descobri isso há dois anos quando minha mãe faleceu. Antes de morrer ela me pediu pra continuar visitando meu pai e nunca sentir raiva dele por nenhum motivo. Ela me disse que fui adotado ainda muito pequeno. Mas não falou mais nada além disso, porque não ter raiva de meu pai?
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Meu pai sempre foi um homem muito carinhoso com seus amigos, mas nunca me deu muita atenção, sempre achei que ele não gostava muito de mim. Minha mãe, muito carinhosa, era quase uma esposa japonesa, sempre andava atrás dele nunca ao seu lado. Ele lhe dava muitos presentes, pra mim também.
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Ele falava pouco. Era muito bom em dar broncas, sempre exigiu muito de mim, às vezes parecia que ele tinha raiva de mim, eu sempre fui livre pra fazer o que queria, mas eu tinha que ser bom na escola, nos esportes, e principalmente nas aulas de piano. Nas noites de sábado, antes de sair com os amigos, era obrigado jantar com meus pais e depois do jantar, tocava sempre uma música no piano para ele, só nestes dias achava que ele gostava de mim. Ao acabar ele beijava a mão de minha mãe, me dava um beijo na testa e ia dormir; Falava; maravilhoso filho, cada vez melhor, mas ainda tem que praticar mais.
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Mas já faz alguns dias que ele se foi, havia ficado por um tempo em um asilo, uns cinco anos antes de minha mãe morrer ele já havia ido pra lá. Com meu trabalho e todas as viagens, eu ia pouco ver meu pai, mas depois que minha mãe morreu comecei visitá-lo uma vez por semana. Todo sábado no final do dia, levava comigo uma fita cassete com a gravação de uma música tocada no piano por mim. Me doía um pouco velo daquele jeito.
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Numa sala meio escura sentado em uma cadeira em frente uma janela muito grande ia do chão ao teto, parecia esperar por alguém, sempre com a luz do dia morrendo atrás de sua silueta. Suas mãos brancas e enrugadas pareciam sempre frias e seus olhos verdes, sempre estáticos. Alguns dias ele estava inerte em seus pensamentos e outros bem lúcido me chamava pelo nome e foi aí, nestes dias de lucidez, que comecei entender o passado.
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Ele falava sempre de um Beto e da saudade que sentia do tal melhor amigo dele por muitos anos, Carlos Roberto Bianchi, que havia sumido no mundo faz muito tempo. Ele era um homem muito bonito, alto, forte, com seus olhos azuis e cabelos loiros, mas andava sempre sozinho, não era casado e nunca casou pelo que sei. Ele viajava muito com minha família, viagens internacionais e nacionais, praia e fazenda, mas lembro muito dele na fazenda, ele e meu pai saiam a cavalo e passavam horas fora, às vezes o dia inteiro.
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Lembro que no começo minha mãe reclamava um pouco, mas distraia-se conversando com o peão, eu morria de ciúmes dele (Beto), com ele meu pai parecia mais feliz, eles riam muito juntos, dava um pouco de raiva, pois ele conseguia arrancar, com cochichos, risadas estrondosas de meu pai. E eles se tocavam muito, eu nunca achei estranho nada disso, por que cresci com isso, mas morria de inveja de Beto que recebia mais atenção que eu.
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Foi no meu aniversário de vinte e um anos, que vi Beto pela última vez, eu já estava um pouco bêbado e vi meu pai e ele na sacada conversando, eles pareciam na verdade discutir por algum motivo, gesticulavam muito, mas sempre num tom baixo, só lembro de ouvir Beto dizer: Ele já tem vinte e um, agora é a hora! Meu pai respondeu: Você não entende, não me faça escolher. Beto foi embora deixando meu pai falando sozinho e com seus olhos cheios de lágrimas. Eu voltei pra dentro de casa e nada falei ou perguntei.
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Aquela havia sido a última vez que vi Beto, até o dia do enterro de meu pai, dezesseis anos depois, ele ainda é um homem bonito, o tempo não apagou de seu rosto o mesmo ar calmo que tinha, muitas rugas e marcas sim, mas aqueles olhos nunca perderam o brilho.
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E quando ele me disse: Menino, precisamos conversar. Senti minhas pernas tremerem sabia que talvez fosse melhor deixar o passado no passado. Mas também sentia muita curiosidade em saber por que ele sumira por tantos anos. Peguei em seu braço como meu pai fazia, e o convidei para tomarmos um café.
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Andamos para um restaurante meio que butequin na Dr. Arnaldo próximo ao cemitério, sentamos perto da janela, calados, ele só olhava o movimento dos carros e das pessoas passarem apressadas. Num instante ele me fitou nos olhos e disse: Teu pai te amava muito, do jeito dele mas te amava. Ele abriu mão de muita coisa, aliás tua mãe também.
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Abri a boca pensando em dizer algo, mas aqueles olhos calmos, controlavam minha boca, fechei e ele continuou:
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Seu pai foi um homem muito bem sucedido em sua carreira, diretor geral da América latina de uma grande empresa Americana, mas isso gastou muito sua alegria, muitos problemas, naquele tempo era diferente, ele teve que casar-se contra a vontade. Foi quando sem querer conehcemos tua mãe, ela era do interior, sem familia, veio pra São Paulo com sonho de ser atriz, mas acabou onde muitas meninas novas e sem familia acabam, pela vida, e numa noite andando pela Augusta após o teatro, nós a conhecemos, era uma noite fria de inverno e ela, recostada num carro parado, tremia dentro de suas roupas reduzidas, tinha dezessete anos e era muito bonita, anbiciosa, angelical e com o frescor da juventude, ficamos com pena dela e a convidamos pra tomar um café quente.
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E daí em diante, a vida dela, do teu pai e a minha mudou para sempre, ela precisava de um lar, teu pai de uma esposa e eu por amor estava disposto a aceitar qualquer coisa para velo feliz. Eles se casaram, seu pai foi promovido e transferido para a sede em Atlanta, eu fui junto, mas eles achavam que eles precisam de mais cobertura para aquelo “ato” então tua mãe se fingiu de grávida enquanto eu girava pelo inteiror à procura de uma criança para adotar, mas sem que ninguém soubesse de nada, o dinheiro cala as bocas mais famintas, foram longos nove meses, mas no oitavo mês, tudo deu certo, seu pai pegou a diretoria.
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E assim voce surgiu, filho de mãe solteira que morrera no parto, sem familia alguma pra tomar conta de voce e estes teus olhos amendoados, brilhavam pra mim, voce é tanto meu filho como filho deles eu te escolhi. Misto de raiva e e surpresa fazia girar minha cabeça, sentia vontade de levantar e sair correndo, chorando, minha vida, não, a vida deles tinha sido uma grande farsa.
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Aquela noite de seu aniversário de vinte e um anos e queria obrigar teu pai a largar tudo e finalmente dar continuidade ao nosso velho sonho, ir embora do Brasil, morar longe de tudo isso aqui, da família dele, dos compromissos com o escritório, faltava pouco pra ele se aposentar, eu queria fugir das paixões tóxicas de tua mãe e da influência que elas tinham em teu pai, ele ficava deprimido, pensavamos em levar você, mas isso sabiamos que seria dificil, voce já era adulto, podia ficar só. Mas teu pai jamais te abandonaria, nem mesmo por amor.
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Foi ai que fui embora, fui morar numa pequena casinha no interior e depois de dois anos tentando em vão convencer teu pai, decidi, eu, ir morar na Itália, seu pai quem me ajudou comprar minha casa lá, disse que essa seria minha parte no divórcio. E nunca mais nos falamos desde de então. Tua mãe me visitava sempre que queria fugir do teu pai, riamos muito lembrando do passado e das tolices dele, ela sempre trazia fotos tuas, me falava de tuas conquistas, dos teu casos e eu sempre tive muito orgulho de você.
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Eu não sabia o que dizer, não sentia raiva, apenas pena deles três. Tentava me imaginar no lugar deles três ou de pelo menos de um deles, no final das contas eles tiveram, ao mesmo tempo, tudo e nada, como deve ser sofrido fazer certas escolhas, me escolher, por isso entendo como meu pai era exigente comigo e com todos, o quanto ele me dava oportunidades de tentar as coisas e exigia que fosse bom em cada uma delas, por isso fez vista grossa em minha fase bissexual que passou super rápido, ainda bem, e eu achando que os enganava, todos esses pensamentos correram minha cabeça enquanto Beto tomava folego pra continuar:
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A vida é cheia de sacrifícios, não tenha raiva de teu pai por todas estas mentiras, ele amou tua mãe, mas nunca a tocou, ele me amava e disso tenho certeza, e o entendo, mas mais que tudo ele sempre te amou muito mais do que nós dois, viveu mentiras gigantescas e abriu mão da própia felicidade pra ficar perto de você.
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(Para BPN e FB e todos os outros que acreditam em sacrifícios e amores)

3 comentários:

Unknown disse...

CARINHA QUE DOIDO...HEHE...QUE ESTÓRIA...HEHE...É ISSO AE...QUEM CONHECE OS LIVROS DA VIDA???
CADA PAGINA UMA SURPRESA...CADA DIA UMA PAGINA...E ASSIM MONTAMOS A ESTÓRIA: - VIDA !!!
VC SABE ONDE TE GUARDO NÃO SABE???
VC FAZ PARTE DA MINHA ESTÓRIA E VICE-VERSA...
SAUDADESSSSSSSSSS...

Unknown disse...

ALIÁS, VC SABE O QUANTO ENTENDO DE AMORES E SACRIFICIOS !!!

Thunderstorms, dreams and conversations disse...

De pouco sabemos, mas este pouco já faz muita diferença. Você está sempre no meu coração e sei bem dos sacrifícios do teu coração. ; ()