quinta-feira, 6 de novembro de 2008

Para entender um grande amor.


Para entender um grande amor.

O que é preciso pra entender o porquê dos por quês...

Começo minha história assim:

Depois de uma noite chuvosa de outono veio um leve e frio nevoeiro que cobria os morros do Grajaú, aos primeiros raios de sol deixava eu minha casa a caminho do ponto final do ônibus, (pega-lo no ponto final era melhor por que eu podia enfrentar as duas horas do trajeto sentado), era mais um dia de uma semana longa acordava eu todos os dias as 4h da manhã e pelas 4e40 costumeiramente, depois de pegar uma subida sem fim, estava eu no ponto de ônibus para ir a pra faculdade.

Nada de muito e muito interessante acontecia nos cafundó do Graja (carinhosamente chamado pelos seus moradores). Mas neste dia, enrolado em um pacotinho de carne humana estava lá ele, deitado bem perto da cabine do Seu Fiscal, ninguém sabia como ele apareceu ou de onde apareceu, sua idade ou seu sobre nome.

Pensava eu: deve ter brotado por causa da chuva, mofô de um nevoeiro como cogumelos, parece ruim dizer esse tipo de coisa? Mas quem se importa, de verdade, com os pedintes de rua? Damos moedinhas só pra que eles vão embora o mais rápido possível.

Pois é, esse moço se dizia chamar Ademir, ou lhe deram esse nome, não sei ao certo. Mas o fato era que ele existia, simplesmente por existir, nada de mal fazia a ninguém a não ser pedir, pedia roupa, pedia comida, sempre comida, nunca dinheiro.

Durante alguns meses ele andava por lá subida acima, subida a baixo, falando sozinho, e ria muito com seu sorriso desdentado, a vida lhe parecia boa, davam lhe comida e ele se vestia com roupas usadas dos cobradores e motoristas de ônibus, então ele até parecia trabalhar pra própria empresa, por isso podia, (antes os passageiros entravam pela porta de trás do ônibus), entrar pela porta da frente do ônibus e “caronar” ao lado do motorista. Sempre o via em algum lugar da cidade perambulando, desbravando essa mata de cinismo, rindo e falando sozinho, às vezes ele me reconhecia e dava tchau, eu sempre correspondi com outro tchau de volta, achava legal o doido do bairro que falava sozinho saber de minha existência, assim como eu sabia da dele e hoje mais de dez anos depois escrevo um pouco sobre ele.

Ta ficando longa essa história não é?

Okay, o tempo foi passando, chegou o inverno e o Ademir, arrumou numa carona de um dos motoristas, que parou na subida antes de chegar ao final, com a frente do ônibus, cheia de uns pedaços de madeirite e ele assim, aos poucos, montou sua casinha ao pé do morro, encostada no muro do Barão do Rio Branco, uma pré-escola.

Era até simpática sua casinha, me passava um certo ar chaby-chic, com sua porta feita de um pedaço de lençol de chita com pequeninas flores coloridas e um dos lados do madeirite pintado com largas pinceladas displicentes de tinta branca.

A família cresceu, ele arrumou dois cachorros de rua, os quais ele criava com muito carinho, dividia sua comida e sua água e eles o seguiam com suas caldas abanantes por todo o bairro e ele sempre lhes dava muito carinho na cabeça. Com a chegada do inverno os cachorros dormiam junto dele dentro da pequenina casinha.

Foi-se o inverno e a primavera apontava com seus raios de sol e com suas florezinhas crescendo no mato perto da tal casinha do Ademir, que apesar de tudo ele parecia ser feliz. E numas dessas manhãs de primavera caminhando para o ponto, avistar sua casinha era obrigatório, pois de cima da subida eu podia ver todo o prézinho, e como num desabrochar de flores eu vi pela a primeira vez a ”Ademeia”, assim eu a chamava, pois não sabia e nunca soube seu nome. E quem era ela? Quem era a doida mulher, que carinhosamente se pendurava nos braços dele?

Uma figura tão estranha quanto ele e desdentada tal qual.

O tempo foi passando e foi ela ficando, dividindo com Ademir sua moradia, seus pequenos cachorros que a seguiam da mesma forma, mesmo quando ele estava “trabalhando seu perambular” por essa cidade louca.

Tudo então parecia fazer sentido até mesmo pra mim que só observa de longe, essa primavera aposto que foi mais colorida pra ele, acredito que as flores cheiravam melhor, via os dois abraçados badalando, sentido a brisa quente do verão, juntos pelo bairro, pedindo comida, sorrindo das coisas que um dizia ao outro ao pé do ouvido, trocando carinhos, sendo enxotados das portas, por que às vezes se excediam nos carinhos, brincando com seus cachorros e outras vezes fugindo das pedradas que a molecada do bairro atiravam, mas creio que nada mais importava a Ademir, mesmo o fim do outono e a chegada de outro inverno, porque finalmente sua triste existência fazia sentido, pois eles estavam juntos.

Um comentário:

Silvinha disse...

tem coisas que fazem a gente entender que nao emporta o envólucro e a sofisticação dos costumes. gente é tudo igual e só tem mesmo uma coisa que importa.
esse texto tá maravilhoso.
love.